Para dormir, para não dormir

Era tarde da noite e ele a ouvia como quem ouve uma canção de ninar. Seus olhos pesados coçavam carentes de sono e embaçados de cansaço. Ouvia-a se distanciar enquanto adentrava o universo onírico. De longe, parecia uma voz doce e compassada. Adormeceu.

Despertou no meio da noite e passou a escutá-la novamente. Foi a primeira coisa que ouviu. Seu som parecia cada vez mais alto e se tornava irritante. Cada nota batia em sua cabeça e ecoava no silêncio dos seus pensamentos. Queria dormir, queria calá-la, mas não queria se mover.

Pensou em todas as razões para estar ali agora, com ela. Era um acomodado, só reparava o quanto ela o atrapalhava nessas horas, nas demais mal dava atenção. Estava sempre ocupado demais para dar atenção. Além do mais, ela o fazia dormir.

Era um desperdício de vida e de dinheiro tê-la ali apenas para isso, mas se livrar dela daria trabalho. Teria de contratar alguém pra isso. O banheiro ficaria uma imundície e não teria ninguém para limpar. Ele teria de fazer o trabalho sujo.

Desistiu de se livrar e tentou resgatar a afeição do começo da noite. Pensou em modos paliativos, distrações. Poderia ter outras, quem sabe. Várias dela poderiam amenizar o estrago que só uma faz. Pensou sobre como ela parecia suave quando ele adormeceu. Suave até acordar irritado. Mas ela não o irritava, não era de propósito. Apenas estava ali, sempre presente.

Não conseguia entender o que havia acontecido entre o sentir sono e o querer dormir que fez com que de uma canção de ninar, seu ruído passasse a ser um barulho infernal que fazia com desejasse ser surdo.

Relutante, foi ao banheiro e pegou uma toalha no armário. Colocou-a sob o cano da pia como quem enfia um pano na boca de alguém. Talvez assim aquela goteira parasse um pouco de atrapalhar seu sono.

Texto postado no blog Idiotidiano

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